Karl & Marylin

Tomando uma xícara de café na sala de estar, pensando qual será sua próxima fala na secretária eletrônica. Você me fez sair de casa, me tratou como um cretino. E não sei o porquê de tanta revolta da sua parte, confesso. Também não sei do porquê de te ligar todo santo dia, deve ser porque a casa é minha, aliás, não importa. Liguei-te, e me lembrei do jeito como você era engraçada, e como já sabia, ninguém atendeu, então sua secretária eletrônica começou a falar: “Alô, você chamou você sabe quem. Eu não estou você sabe onde. Deixe uma mensagem depois do você sabe o que”. Lembro que eu estava tomando banho na hora, e nessa gravação saiu o barulho dos pingos d’água caindo, você não regravou, falou que estava com preguiça, e estava bom. Sem contar que antes de falar que estava bom, eu sai do banheiro e você me fez ligar para o telefone de casa e ouvir. Bom, eu respondi nessa ligação: “Oi… aqui é o Karl, bom… só me ligue de volta, por favor”, e como já era de se esperar, você não me ligou de volta.
No segundo dia, já de noite, tinha voltado do meu trabalho, estava morando na casa da minha mãe, ela não se importou muito com a minha presença, verdade. Liguei, não esperei a secretária eletrônica, pois sabia que você não iria atender, então fiquei ligando e ligando, milhões e milhões de vezes, então finalmente esperei a secretária eletrônica falar: “Isto não é uma secretária eletrônica. É um aparelho de detecção de pensamentos. Após o bip sonoro, queira pensar no seu nome, telefone e razão do telefonema e eu pensarei se retorno a chamada”. Ela e aquelas piadinhas sem graça dela, como eu gosto de uma pessoa dessas?. “Aqui é o Karl, e você sabe disso, só queria saber o motivo que você me fez sair da minha própria casa, da NOSSA casa, bom, espero que retorne a chamada”. Não, não, o que eu estava fazendo? Conversando com uma secretária eletrônica? Acho que estou ficando louco, eu pareço louco? Espero que não. Ela não retornou minha chamada, meu Deus, como ela é difícil, ou gosta de se fazer de difícil.
No terceiro dia, liguei novamente: “Alô, aqui é a Morte. Não estou disponível agora, mas se você deixar seu nome e telefone, eu estarei logo, logo disponível para você…”. Poxa vida, ela quer me ver morto? Talvez não seja eu que esteja ficando louco, e sim ela. “É o Karl, Marylin, já é o terceiro dia que eu deixo uma mensagem na sua secretária, mas que coisa, você poderia pelo menos me mandar um e-mail, ou algo do tipo já que não aguenta falar comigo, estou ficando farto”. Que mulher difícil, dai-me paciência, demorei a pegar no sono nesse dia, pensei, ela não tinha lido o manual no dia em que eu estava tomando banho, ela não sabia refazer a voz da secretária, me lembro de jogar o manual do telefone no lixo, mas que ela tinha aprendido a regravar, ela tinha.
Quarto dia: “Provavelmente eu estou em casa. Apenas estou tentando evitar alguém que eu não gosto. Deixe uma mensagem. Se eu não chamar de volta é porque é você”. Ok, ok, essa foi a frase mais direta que qualquer uma das anteriores. “Marylin, eu sinto sua falta”, desliguei, não tinha mais palavras, lembro que quando coloquei o telefone da minha mãe no gancho dei um suspiro e fui para a sala.
Quinto dia: “Você tem 5 segundos para encontrar qualquer coisa para dizer após o bip…”. Ou ela leu meus pensamentos na ligação anterior, ou não faço a mínima ideia do qual “ou” seja. “Só me dê notícias”, respondi.
Essa brincadeirinha já estava me tirando do sério, cinco dias é muito tempo. Eu era um homem, despachado da própria casa, que tinha ido passar um tempo com sua mãe, e sua mãe não tinha nem perguntado o que tinha acontecido, porque provavelmente ela já sabia, cansei.
Sexto dia, sexta-feira: “Fale qualquer coisa, estou me sentindo tão sozinha nessa casa que poderia ouvir uma mensagem de voz, várias e várias vezes só para não me sentir só”. Que gravação foi essa? Cadê a piada? Ela deve ter enlouquecido mais do que eu com a reclamação da minha mãe, porque me esqueci de colocar a geleia de amora na geladeira hoje de manhã, eu estava atrasado para ir trabalhar, não tenho culpa. “Casei de discutir relação com uma secretária, se é que isso que temos pode se chamar de relação, cansei de namorar a sua secretária eletrônica, amanhã volto para casa, e dai não saio mais”, respondi. Um minuto depois ela ligou para a casa da minha mãe, e eu atendi: “Marylin?” “Sabe Karl, volta e não sai mais daqui” “Mas foi você que me mandou sair” “Você deveria me ouvir menos”. E esse foi meu último pensamento no dia: Mulheres são complicadas. O anterior foi: Eu amo uma paranóica.

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